Opinião
Manduca da Praia
Por Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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O Manduca da Praia, um capoeira do Brasil-Império, era um cafuzo claro, alto, reforçado, gibento, que usava barba em ponta, grisalha e cor de cobre. De chapéu de castor branco ou de palha no alto da cabeça, olhos injetados e grandes, andar compassivo e resoluto, sua figura tinha alguma coisa que instilava, ao mesmo tempo, temor e confiança. Vestindo com decência, Manduca jamais dispensava o gibão grosso e comprido, calças quadriculadas, colete, grande corrente de ouro que prendia o relógio, sapatos de bico revirado, gravata colorida, trazendo sempre como arma uma bengala fina de cana da Índia.
Dono de banca de peixe na praça do Mercado, era liso nos negócios, ganhava bem e tratava-se com regalo. Constante morador da Cidade-Nova, Manduca não recebia influências da capoeiragem local nem de outras freguesias, fazendo vida à parte, sendo capoeira por sua conta e risco. Destro como uma sombra, foi no curro da rua do Lavradio que ele iniciou a sua carreira de rapaz destemido e valentão, agredindo touros bravios sobre os quais saltava com grande perícia. Nas eleições de São José dava cartas e pintava o diabo com as cédulas. Nos esfaqueamentos e nos sarilhos próprios do momento, ninguém lhe disputava a aptidão.
Um dia, na festa da Penha, Manduca da Praia bateu-se com tanta vantagem contra um grupo de romeiros armados de paus, que alguns ficaram estendidos e os demais inutilizados na luta. Porém, o fato que mais o celebrizou na cidade remonta à chegada do deputado lusitano Sant´Ana, cavalheiro distinto e invencível jogador de pau, dotado de uma força muscular quase prodigiosa. O deputado, que gostava de brigas, que não recuava diante de quem quer que fosse, sabedor da perícia de Manduca, procurou-o. Encontrando-se os dois, houve desafio, acontecendo àquele saltar nos ares no primeiro canelo do nosso capoeira. Depois ambos festejaram com champagne. E continuaram amigos.
Sobrenadando ao esquecimento que envolve os seus mais esforçados companheiros - o Mamede, o Fradinho, o Quebra Coco, o Bem-te-vi, o Bonaparte, para não falarmos no capitão Nabuco, um Hércules de força descomunal, sobre o qual já escrevemos -, o Manduca da Praia jamais foi condenado, pois o povo repetia as façanhas que motivaram-lhe a nomeada. Popular entre a população fluminense, considerado como homem de negócio, temido como capoeira, eleitor crônico da freguesia de São José, ele respondeu a 27 processos por ferimentos leves e graves, sendo absolvido em todos eles pela sua influência pessoal e dos seus amigos.
A capoeiragem, como arte, como instrumento de defesa, é a luta própria do Brasil.
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